domingo, 23 de dezembro de 2007

No centenário do nascimento de Miguel Torga um poema de Natal



Era uma vez, lá na Judeia, um rei.

Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto

E duas grandes tranças.

A gente olhava, reparava e via

Que naquela figura não havia

Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.

Porque um dia,

O malvado,

Só por ter o poder de quem é rei

Por não ter coração,

Sem mais nem menos,

Mandou matar quantos eram pequenos

Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu

Que, num burrinho pela areia fora,

Fugiu

Daquelas mãos de sangue um pequenito


Que o vivo sol da vida acarinhou;


E bastou


Esse palmo de sonho


Para encher este mundo de alegria;


Para crescer, ser Deus;


E meter no inferno o tal das tranças,


Só porque ele não gostava de crianças.




(Miguel Torga)

Sem comentários: